Foto reprodução
por Jean Wyllys
Nesta prosaica nota jornalística, neste prosaico episódio noticiado abaixo, está ― sem que seu autor tenha necessariamente se dado conta disso ― toda a complexidade das relações sociais e políticas brasileiras, bem como as evidentes marcas dos eventos históricos que nos forjaram/forjam como nação (o colonialismo, a escravidão de negros e negras e a ditadura militar).
O deputado Arthur Virgílio Bisneto (PSDB-AM) recusa-se a usar um bottom de identificação de deputado e já foi barrado no Plenário da Câmara. O motivo: alega que seu pai e seu avô, que já cumpriram mandatos, nunca tiveram de fazê-lo, e quer manter a tradição.
A postura do novo deputado federal ― muita atenção ao nome dele, que remete à tradição nobiliárquica dos tempos do feudalismo ainda persistente na esfera pública ― é mais que um exemplo da faceta autoritária e hierárquica brasileira ― "Sabe com quem está falando?" ― à qual se refere o antropólogo Roberto DaMatta: a postura do deputado expressa um sistema político que se recusa a se democratizar, a se abrir e a mudar de verdade; expressa o quanto as jornadas de junho de 2013 foram mais uma catarse caótica que uma reivindicação clara e objetiva de mudança na representação política, já que, com aquela quantidade de gente (jovem!) nas ruas protestando "contra tudo isso que está aí", o mínimo que se deveria esperar dos eleitores era que estes elegessem representantes que não fizessem parte de ― nem sustentassem ― "tudo isso que está aí", como é o caso do novo deputado da notícia em questão.
Sua postura e arrogância revelam o triunfo da pior política brasileira, expressa na "renovação" conservadora do Congresso Nacional (em que a bancada de filhos, filhas e netos de políticos com muitos mandatos cresceu bastante) e na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, garantida mediante financiamento privado de campanha e de abertura de balcão de negócios. E expressa principalmente a ignorância motivada de uma maioria de brasileiros historicamente subtraída em tenebrosas transações políticas feitas por essa turma que está por cima desde sempre, ainda que vestida em diferentes peles e disfarces, mas que, manipulada pelo ângulo e edições das coberturas jornalísticas ou simplesmente arrastada pelo sabor do senso comum e da falta de discernimento, não vê que o problema da política no Brasil é justamente a existência de um deputado com essa tradição e comportamento.
Enquanto essa política nefasta vai ficando cada vez mais forte com a cumplicidade de eleitores comprados ou manipulados que, depois, vão para o Facebook e pro WhatsApp reclamar "dos políticos", sem separar joio de trigo, as pessoas e instituições que lhe sustentam (a essa política nefasta) insistem no discursinho fácil e desonesto de que a erradicação do PT da cena política será a solução para os males que nos afetam.
Fonte: Carta Capital
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