Começo a escrever mentalmente este texto, no exato momento em que dez anos atrás cumprimos uma decisão da Base do movimento estudantil que nos colocaria na equina histórica da luta democrática na Bahia e no Brasil. Reunidos no dia 6 de maio de 2001, uma noite de segunda-feira, na sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFBA), os estudantes representados pelos Centros e Diretórios Acadêmicos no Conselho de Entidades de Base (CEB) decidiram construir a jornada de mobilizações da União Nacional dos Estudantes (UNE) contra a corrupção e pela ética na política. Para expressar o repúdio ao então senador Antônio Carlos Magalhães (ACM), violador do painel do senador - o conhecido fraudador de eleições na Bahia -, decidimos por consenso, caminhar até a casa de ACM e lavar a fachada do edifício Stella Maris.
Mobilizamos, saímos em passeata e na reitoria encontramos os companheiros secundaristas e o sindicato dos Bancários. Éramos cerca de 200 universitários para mais ou menos mil secundaristas. Entre nós da UFBA, a extrema unidade forjada na construção coletiva indicava o nosso rumo: a casa de ACM. Mas no caminho havia uma divergência, parte dos dirigentes recusou a seguir para a casa do “homem”. Enquanto gritávamos casa de ACM, outros companheiros faziam trocadilho, dizendo cassa ACM. Quando chegamos ao início da Avenida Sete de Setembro, o carro de som desviou seguindo para Praça Castro Alves.
Neste momento aconteceu algo inédito para mim. Os representantes estudantis, no intuito de cumprir a resolução do CEB, fizeram uma parede humana e paralisaram o carro de som, fiquei encarregado de subir pelos ombros anônimos de gente valorosa e anunciar em alto e bom som, de cima do carro, a decisão do CEB, convidando todos para radicalizar profundamente a democracia representativa. Naquele momento, nós não éramos mais apenas estudantes, tornamo-nos a consolidação viva de uma opinião política, uma base social que teimava em avançar.
E assim mudamos o rumo do carro de som, da passeata, só não sabíamos que mudaríamos o rumo da história. Voltamos pela Avenida Carlos Gomes e na esquina da Casa D’talia, encontramos o pelotão de choque determinado a impedir o nosso trajeto. Não demorou a que bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, cassetetes e balas de borracha batessem duramente na nossa moral juvenil. Nós recuamos com muitos feridos, outros completamente abalados, a maioria desesperados. Reagrupamos na Praça da Piedade e fizemos uma assembleia relâmpago. Decidimos, ali mesmo na rua, chamar uma plenária popular, sindical estudantil para o dia seguinte, sexta-feira, dia 11 de maio, na sede do DCE-UFBA.
O que o Estado policial e repressivo não esperava, era que o anseio de liberdade que pulsava em nossos corações fosse algo contagioso, que mesmo não tendo nada com o que resistir, além da força das nossas ideias e a entrega generosa dos nossos corpos para a luta, nós continuássemos de cabeça erguida. Eles se esqueceram de nos perguntar: quem são vocês? E nisso eles erraram! Porque se tivessem perguntado antes de atirar, cada um de nós responderia em alto e bom som: “SOU ESTUDANTE!”
Ademário Costa é secretário de Finanças do PT
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