segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

General do povo, não


A cena de confraternização do general Gonçalves Dias, comandante da 6ª Região Militar, com os PMs amotinados de Salvador foi constrangedora e impertinente.
Constrangedora porque o general foi aos amotinados, recebeu um bolo de aniversário e abraçou um deles. Esqueceu-se de que estava no comando de uma operação militar. Desde o início do motim, mais de 150 pessoas foram assassinadas em Salvador. A Assembleia Legislativa fora ocupada.
Lojas e casas foram saqueadas. O prejuízo do comércio vai a centenas de milhões de reais, e os rebelados cantavam “Ôôô, o carnaval acabou”.
O general foi impertinente ao dizer o seguinte: “Peço aos senhores: se as pautas que estão sendo discutidas pelos políticos não forem atendidas, vamos voltar a uma negociação. Não poderá haver confronto entre os militares. Eu estarei aqui, bem no meio dos senhores, sem colete.”
A primeira impertinência esteve na afirmação de que “as pautas estão sendo discutidas pelos políticos”. A negociação estava na alçada dos poderes constituídos, aos quais as Forças Armadas estão subordinadas.
A segunda impertinência estava na afirmação de que “não poderá haver confronto entre os militares”. Os PMs amotinados não estavam ali como militares, mas como desordeiros, cabeças de ponte de um motim articulado que se estendeu ao Rio de Janeiro. A ideia de que a negociação estava nas mãos dos “políticos” e de que “não poderá haver confronto entre os militares” é subversiva e caquética.
A tropa do Exército é mobilizada para exercer um efeito dissuasório. O discurso do general e a cena do bolo transformaram o poderio militar em alegoria carnavalesca. Se “não poderia haver confronto”, com que autoridade um coronel ordenaria a um capitão que respondesse a uma agressão? (No dia seguinte, no peito, cerca de 50 pessoas furaram o cerco da tropa e juntaram-se ao motim. Na quinta-feira, no Rio, a polícia baixou o pau nos trabalhadores vitimados pela SuperVia.)
No século passado havia os “generais da UDN”, e a eles contrapuseram-se os “generais do povo”. Deu no que deu. O tenente que em 1964 comandava os tanques que guarneciam o Palácio Laranjeiras tornou-se um dos “doutores” da Casa da Morte, onde se assassinavam presos políticos. Em 1981, estava no carro que jogou a bomba na casa de força do Riocentro. Outra explodiu antes da hora, matou um sargento e estripou um capitão.

Por
Elio Gaspari, O Globo






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