Por Kiko Nogueira
DCM
Nem Chico, nem muito menos Caetano, nenhuma banda de rock, Seu Jorge de jeito nenhum.
Quem faz a trilha sonora do momento político do Brasil é MC Carol. A funkeira de Niteroi lançou na sexta, dia 15, o rap “Delação Premiada”. A letra fala o seguinte:
Sete da manhãMuito tiro de meiotaMataram uma criança indo pra escolaNa televisãoA verdade não importaÉ negro, favelado, então tava de pistolaCadê o Amarildo?Ninguém vai esquecerVocês não solucionaram a morte do DGAfastamento da polícia é o único resultadoNão existe justiçaSe assassino tá fardadoTrês dias de torturaNuma sala cheia de ratoÉ assim que eles tratam o bandido, faveladoBandido rico e poderosoTem sala separadaTratamento VIP e delação premiada
Sucesso instantâneo. O nome dela passou o dia nos trending topics do Twitter. A música tem algo que o rock nacional perdeu há algumas décadas: urgência.
Carol é autora, entre outras, de “Não Foi Cabral”, sua versão do descobrimento do Brasil com índios mortos por portugueses, e “Meu Namorado é o Maior Otário”, em que detona o pobre rapaz (“Ele lava minhas calcinhas, se ele fica cheio de marra eu mando ele pra cozinha”).
É engajada e talentosa, mas o maior risco que corre é o de ser adotada por intelectuais que a queiram transformar em símbolo de qualquer coisa. Sua força está no talento intuitivo de colocar as palavras certas umas depois das outras, de cantá-las com convicção, de passar um recado e de olhar à sua volta.
Não é pouco. Qualquer tentativa de enquadrá-la não dará certo. Ela se declara “feminista”, mas reclama que o namorado cuida de suas roupas de baixo. E aí?
Carolina de Oliveira Lourenço disse o óbvio numa entrevista ao El Pais em que lhe perguntaram sobre suas “contradições”: “Nem tudo o que eu canto eu vivo. A maioria das coisas que eu canto é coisa que as pessoas querem ouvir, ou que acontece na minha comunidade”.
Em “Delação Premiada”, o paralelo entre a violência policial e a vida boa dos delatores da operação comandada por Sérgio Moro é fruto de sua inteligência em ler notícias e interpretá-las. A poesia é dura porque tem que ser.
A faixa é muito bem produzida. A voz grave bate no peito. Não é para ajudar a dormir. Para sorte de sua arte, o rap/funk/hip hop ainda é encarado como marginal pelo chamado establishment. É coisa de bandido. Daí boa parte da bem vinda agressividade.
O rock era assim antes de ficar senil. No instante em que o som de Carol for aceito e estiver no “Esquenta” (ainda existe?), pode ser o começo do fim.
Ela não toca no clube do seu primo quarentão obeso que foi para a frente da Fiesp, mas toca na festa do seu filho (na do meu, inclusive). Ela não vai tocar na Olimpíada.
Aliás, sabe quem vai se apresentar na cerimônia de abertura dos Jogos, diante da presença magnânima do interino? Caetano Veloso. E Gilberto Gil. Mas isso são outros quinhentos dólares.
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