sábado, 4 de dezembro de 2010

Na saúde e na doença: Casamento é realizado em UTI de Hospital

Para Manoel Harierne de Almeida, 67 anos, Bernardete é o ar que ele respira. Internado em estado grave na UTI do Hospital Santa Izabel, o equipamento de ventilação mecânica que o acompanha por mais de 60 dias pode até mantê-lo vivo, mas o que conserva a sua vontade de existir é um tratamento intensivo à base de amor.
Acometido por um enfisema pulmonar, além de uma doença de origem neuromuscular que o impede de se locomover, Harierne, como gosta de ser chamado, viveu um dos momentos mais emocionantes de sua vida no mês passado. Dia 22 de novembro, casou-se com Bernardete Oliveira da Silva, 54, na capela do hospital, a poucos metros da UTI. O primeiro casamento em 117 anos de Santa Izabel.

PEDIDO

Apesar de companheiros há 27 anos, os aposentados jamais tiveram a oportunidade de oficializar a união. “Quer casar comigo?”. Foi o que perguntou Harierne a Bernardete ao acordar de um coma induzido após a última crise que sofreu, em 1º de outubro. Abriu os olhos e fez o pedido. “Claro que sim”, ouviu de resposta.
Sem previsão de alta, o casório teria que acontecer no hospital. O problema era a gravidade do caso. O enfisema criou uma bolha dentro do pulmão de Harierne. A doença neurológica alcançou seus músculos e deixou os membros inferiores atrofiados. Lúcido, nada atingiu o
Segundo o fisioterapeuta Fleury Ferreira Neto, o paciente não pode ficar 40 segundos sem o respirador artificial. “É o máximo que ele consegue”. O casamento seria então dentro da própria UTI. Mas, diante do amor sem limites, a equipe médica decidiu levar a humanização hospitalar ao extremo. Foi montada uma estrutura para deslocar o noivo-paciente para a capela do hospital.


SOB O PALETÓ

Para retirá-lo do leito, adaptou-se os aparelhos à cadeira de rodas. Sob o paletó do noivo, eletrodos enviavam para um monitor informações das funções vitais. Harierne casou com uma sonda nasal e um respirador plugado à traqueia.Um esforço descomunal, mas pequeno diante do que sentia no peito. “Uma alegria muito forte. Estou realizado por me casar com uma mulher batalhadora, guerreira. A mulher ideal”, disse o noivo, balbuciando palavras já que fala com dificuldades.
Três torpedos de oxigênio foram usados em uma hora de cerimônia. “Trocamos no meio do casamento. Nem precisou interromper”, revelou o fisioterapeuta. O pneumologista Antônio Dórea, médico que acompanha Harierne desde o primeiro sintoma, considerou o casamento um ato de vanguarda do hospital. “Em 24 anos de profissão nunca vi nada parecido. Essa é a prova que, mesmo confinado numa UTI é possível oferecer qualidade de vida ao paciente”. No alto de sua medicina, ele acredita que o casamento pode amenizar as dores e prolongar a vida de Harierne.
“O que deixa uma pessoa viva é a motivação que ela tem para isso”, disse Dórea, emocionado nas imagens registradas na celebração. Não só ele, mas a equipe de enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais e funcionários aparecem chorando. A noiva, aliás, foi a única a se manter firme. “Queria dar essa alegria para ele. Decidi não chorar nem de felicidade”, explicou Bernardete, que nos últimos dois meses parou a vida para se dedicar ao agora marido oficial.

FELIZES PARA SEMPRE

Tirando a noiva, não houve quem não derramasse lágrimas. Foi a primeira vez que José Carlos Santana, o padre Zeca, chorou em um matrimônio. “Já fiz casamentos em muita igreja bonita por aí. Mas dessa vez não tive como segurar”. A cerimônia acabou junto com o último torpedo de oxigênio. A equipe médica devolveu o paciente imediatamente para o leito. Casados, Bernardete e Harierne apenas sonharam com a noite que não puderam passar juntos. Mas, mais do que nunca, têm a certeza de que nem a morte pode separar um
amor tão verdadeiro.

Casamento completo

Um casamento com tudo que se tem direito. Padre, convidados, padrinhos, buquê e alianças. No centro das atenções, o noivo exigiu a retirada da roupa do hospital. Queria usar blazer e sapatos. “Você está aí toda bonita, toda bacana”. Com todo o cuidado, Harierne foi vestido a caráter. Pontualíssima, já que cada segundo era importante, a noiva apareceu. Ao microfone, uma assistente social cantou durante a caminhada até o altar.
Depois do sermão, o padre não conseguiu terminar a tradicional pergunta aos noivos. “Sim, sim, sim”, repetia, ansioso, Harierne. O médico Antônio Dórea foi padrinho e o portador das alianças. “Ele não tira aquela aliança para nada. Só dá ‘tchau’ com a mão esquerda”, entregou Dr. Dórea.

Namoro casual, paixão de uma vida

O amor entre a funcionária do marketing do antigo banco Baneb e o vendedor da Biscoitos Águia começou em dezembro de 1983, numa feira de exposições, no Centro de Convenções, quando foram apresentados por uma amiga dela. “Tem um corôa aí fora que foi feito pra você”. Já são 27 anos de convivência e um filho.

Enfermidades não têm associação

O consumo de duas carteiras de cigarro diárias por mais de 40 anos desencadeou, em abril deste ano, um enfisema pulmonar. Ao iniciar o tratamento no Programa de Atendimento ao Tabagismo no Hospital Octávio Mangabeira, Harierne apresentou problemas de mobilidade. Os novos sintomas levaram os médicos a descobrir que ele também tem uma doença neurológica rara. Apesar de afetarem o sistema respiratório e os músculos, as enfermidades não afetam o cérebro. Tanto que, em pleno internamento, ele se preocupa com as prestações do carro ou a segurança da casa.

Fonte:Correio da Bahia

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